sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Que profundo

A profundidade dos pensamentos me incomoda.

O garoto que você conheceu tem pensamentos bastante difíceis de decifrar, mas fáceis de enxergar.

É fácil lidar com pessoas que não escondem o que pensam. Difícil é entender as pessoas que tem vergonha de terem profundidade. Tem preguiça de se abrirem e acabam atuando com uma personalidade mais rasa. É uma forma de fugir do tormento de explicar devaneios que se solidificaram ao longo dos anos e das experiências. Conclusões que se afirmam todos os dias, mas que os outros parecem negar ou ignorar. Não querem mais discutir suas verdades frutos de cicatrizes feitas por mágoas ou por experiências intensas. E nem devem, caso seja doloroso conversar sobre idéias que podem reviver situações desagradáveis.

Enxergar por debaixo desse teatro é uma habilidade que eu não gostaria de ter. Você entende aquela garota até certo ponto, mas nada pode ser feito para ajudar. E que presunção achar que é possível ajudar alguém tão profundo sem sentir um pouco daquele abismo alí dentro. Você esqueceu que tem seu próprio abismo?

Quando duas pessoas profundas se encontram e se reconhecem, entendem-se só pelo olhar. É como se se abraçassem por pensamento. Como se um beijo intenso estivesse acontecendo, mas ninguém se move. É uma troca silenciosa, única, que aquece. E dá medo. Nada é dito. E quando é, não faz sentido porque a conversa entre pessoas profundas é sobre coisas imbecis. A comunicação com profundidade é feita pelo olhar. O olhar diz tudo. Diz que quer morrer. Diz que está cansado de suportar. Diz que está explodindo de felicidade. Diz que está perdido.

Uma magia tão intensa quanto o olhar acontece quando os corpos se tocam. O abraço faz uma ligação pela qual os abismos roçam um ao outro. O silêncio tem o papel de manter essa ligação e até potencializar.

Quando os corpos se distanciam e os olhos desviam, acabou. A melancolia da insignificância é parte do abismo. Ambos sabem que não faz sentido começar, manter ou terminar. É tudo tão efêmero. E isso só aumenta a intensidade de um olhar. A troca de olhares entre duas profundezas pode ser algo que acontecerá pouquíssimas vezes na vida de alguém. É preciso aproveitar. É preciso intensidade. É preciso se sentir infinito, invadir o abismo alheio, preenchê-lo com o que você esbanja em si mesmo. Rápido, sem pensar, sem medo. Acabará logo, você sabe.

Eu fico bastante incomodado com isso. Não entendo o porquê. Talvez porque esse contato relembre que o único sentido de se estar vivo é amar. E amar engloba uma infinidade de ações, sensações e pensamentos. Invadir a profundidade alheia é uma forma de amar, mesmo que por poucos minutos. Ninguém sai de uma troca de olhares da mesma forma que era quando entrou. Um corte é feito e as feridas se misturam.

Que incômodo. Quero sempre que possível.