domingo, 24 de março de 2013

Nomes

Você já reparou que palavras tem poderes? Que nomes próprios são os deuses no mundo das palavras? Nomear um filho é uma tarefa árdua, ou pelo menos deveria ser. Olhar a carinha do moleque (ou moleca), ver se tem carinha de triste ou carinha feliz, se tem um ar de safado ou bem tímido, se vai ser artista ou engenheiro, gay ou machão, amoroso ou autista. Perceber cada detalhe do rostinho, a altura, a cor da pele, o cabelo... Você deve estar pensando "Por quê, raios, você está falando isso? Eu nunca vou conseguir dar o nome a alguma coisa reparando cada detalhe dessa forma! Eu dou o nome e pronto!". Mas é um engano seu. Você sempre faz isso, mesmo que não perceba. E, por mais que pareça uma luz momentânea e totalmente aleatória, a ideia de um nome é construída por cada detalhe. Como se fosse algo místico, herdado dos seus antepassados. Eles, sim, sabiam o significado dos nomes e sua força.

Diga-me: conhece algum Ravel que não seja ou adore música?; alguma Maria que não seja uma mãezona (no sentido amoroso e não no sentido familiar, que varia com a época e a sociedade)?; algum José que não luta com todas as suas forças pelos seus amores?; algum Pedro que não seja prático e amigo? Pense na personalidade de cada pessoa que você conhece razoavelmente ou a fundo. Compare com pessoas recém conhecidas com o mesmo nome. Veja as semelhanças e as diferenças. Compare com mais pessoas com o mesmo nome. Você pode pensar que é coincidência e tem todo o direito, se assim desejar.

Os humanos são seres fantásticos.

Eu amo um Gabriel. Gabriel costuma ser relacionado ao anjo citado na Bíblia e, de acordo com ela, é o anjo dos anjos. Todo Gabriel que eu conheço parece um malabarista, consegue fazer tudo aquilo que deve fazer, do jeito que se deve fazer, no tempo que se deve fazer, pra quem se deve fazer. É um servidor nato. Mas um servidor do alto escalão, pois consegue coordenar exércitos de milhões de pessoas ou de uma pessoa só. É íntegro, faz e pronto, não tem meias palavras. Se lhe agrada, agradecido. Se não lhe agrada, em silêncio. Coordena tudo mentalmente, faz acontecer. Mas não consegue se envolver. Workaholic por natureza. Eu amo um Gabriel e que coisa difícil de se fazer. Ou você aceita, ou você sai fora.

Um Gabriel entrou na minha vida, um anjo e tanto, com espada e tudo! Suas palavras são sua espada. Eu tenho um Gabriel que não sabe o poder das palavras, não tem um lado muito artístico e emocional. Usa e abusa, mas não sabe o que faz. Às vezes não sabe usá-las e me acerta, sangra um pouco, mas tudo bem, anjos são anjos.

Eu fui machucado por um Gabriel. Mas, como eu disse, eu amo um Gabriel.

Ah, meu nome é José. Estranho, né?

Humilhação

Sabendo do amor foi lá e amou. Sabendo da paixão foi lá e se apaixonou. Porque humilha quem tanto lhe quer. Porque faz de sua visão de mundo uma bagunça de explicações infundadas. Porque mesmo diante do desespero daquele que se diz "pra vida inteira" é indiferente. Sabendo o que é respeito foi lá e respeitou. Não com todas, mas à sua maneira peculiar. Se vê espelhado e diferenciado entre milhões de iguais. Como se espelhar fosse uma maneira de ser conceitualmente diferente e de negar o próprio âmago doentio. Sabendo o que era força foi lá e usou-a na garganta. Gritou para o mundo e o submundo seu amor distorcido. Face a face com o desespero da paixão, continuou com a força de seu caráter, berrou para anjos e santos a verdadeira concepção do inconcebível. Ao som da música serena de Deus, ignorou o racional e quase perdeu seu sentimental. Um morto a tremular em uma noite onde castelos inteiros foram destruídos com uma expressão e reinos foram massacrados pelo desdém público do amor dito verdadeiro. O mundo completamente contorcido da mente amante inescrupulosa. Do outro lado a dúvida sobre o pior momento da vida. Seria aquilo uma pequena prova da bondade de seu príncipe encantado? Transformaria-se tal intensidade em um fato corriqueiro numa vida a dois? O rio nasceu e escorreu pelas maçãs já coradas naquela altura. Não foi possível segurar o sangue da ferida recém aberta. Não és tão forte como pensavas, isso não é novidade. Precisaria de um hospital, clínicos, doutores, mas se contenta em cuidar da catástrofe com seus próprios curativos, talvez inúteis. Será curado pela fé. Fé no amor.

A humilhação do amor é a travessia do orgulho pro outro mundo. Mas o orgulho costuma ser uma parte viva e operante do organismo e, sem ele, fica um vazio pra se preencher, se curar.

Não se humilha quem se ama.