Aconteceu o que eu mais temia. De tanto tentar, eu finalmente consegui. Consegui me fechar. E agora? O que vem depois? Estou perdido. Fechei a mim mesmo de um modo crescente, difícil, doloroso. Enterrei minhas opiniões, cessei os julgamentos sobre coisas que considerava fazerem parte do meu caráter, tranquei meus sentimentos.
Eu sinto o nada. Unicamente. Algumas vezes eu choro, tento entender de onde vem esse choro. Será que realmente estou chorando por quem perdi? Pelo que perdi? Ou estou chorando por não aceitar minhas próprias mudanças? Será que é saudade de alguém ou saudade de mim mesmo?
A culpa é do mundo? Destruíram meu eu pouco a pouco. Foram cortando meus sentimentos, cortando meu coração. Lapidando minha alma. Lapidar é uma palavra bonita, não é? Transformar uma pedra comum em uma preciosa. Não é nesse sentido que estou a usando, pois me tornei algo mais feio que antes. Minha essência se foi, aquele menino meigo, legal, que gritava e chorava pelo que queria, que sangrava quando não recebia um beijo de volta, que chorava porque os coleguinhas não o chamavam pra lanchar no recreio. Tudo se foi. Restou isto. Isso.
Mudar da água pro vinho, vamos falar a verdade por aqui: ninguém faz isso. Mudei do vinho pra água de esgoto, estou sujo, fedorento, não mereço o título de criança que um dia recebi. A santidade se foi. Eu me fui. Quem é esta pessoa que vos escreve? Se eu não sei, não ouse tentar decifrar. Não decifre o que já se perdeu, não ame o que já se desamou, não receie o que não pode atacar, o que não existe.
Ando pelas ruas, pelo metrô, pelo ônibus, pelo trabalho. Isso, só ando. Sou um nada, um zombie, um vazio com pernas. E não me venham com essa história de que alguém vai preencher, pois não vai. Não que eu esteja impedindo, mas tentei impedir por tanto tempo, tentando entender o que houve, o que mudou, que o desastre se fez. O inevitável. Uma pedra. A escuridão. Olhe nos meus olhos, diga que vê algo. Diga que consegue me encontrar e me trazer de volta pra mim mesmo. Parece que não, mas estou sorrindo. Pois não entendo nada do que eu digo, não entendo o porquê de estar escrevendo pra mim mesmo e mostrando pros outros. Não entendo onde estou, o que houve, o que devo fazer. Minhas escolhas são só uma sucessão de coisas inevitáveis da onda invisível da vida. Fica parecendo que sou forte, né? Fica parecendo que eu sei o que estou fazendo. Pois não sei.
Já quis tentar controlar minha vida (e a de algumas pessoas), mas falhei. Você estava fazendo isso errado, cara. Na verdade, isso nunca será feito da maneira certa, pois não pode ser feito. Desisti de fazer planos. Vivo o hoje, penso no futuro, mas não nutro nenhuma expectativa. Imagine só se eu juntasse dinheiro pro meu tênis e morresse na esquina da minha casa? Imagine só se eu me preparasse pra um casamento imaginário e fizesse toda a minha vida em uma agenda, mas ficasse louco? Faço o hoje. Isso assusta muita gente. Assusta até demais: já me chamam de louco, de idiota, de enrolado, de desgarrado. Até de superficial já me chamaram! Mas eu desisti do que necessita de nutrição, de atenção, de incentivo. Nada disso dá certo. Por isso agora eu só faço o instantâneo e, se ele nutre algo ou não, isso não vem ao caso, não me importa. Se nutrir, ótimo, está feito! Se não, já passou há alguns segundos, minutos, anos, pluft! Esqueci já, vê?
No fim de tudo, será que essa saudade toda era só uma tentativa desesperada de canalizar a frustração pessoal para alguém? Para uma situação? Ridículo. Como pude ser tão covarde. Logo eu? Será que o desafio é me amar e, diferente do que eu pensava, fazer isso antes de amar ao próximo? Dói não se amar.
Eu não desisto do que realmente me faz bem, isso já ficou óbvio por meio dos meus textos. Não vou desistir de tentar reverter esse estado de espírito em que me coloquei. Às vezes eu chego a fingir que estou gostando de uma conversa, quando na verdade gostaria de gritar na cara do interlocutor o quanto acho suas ideias mimadas e sem sentido. Odeio gente que faz planos de si mesmo, planos de amor, planos de qualquer tipo. Eu já fui assim, fazia planos de cada centavo que eu gastaria no mês, de quais línguas aprenderia, de quais empresas trabalharia, de onde moraria com meu amor, quantos filhos teria. Hoje faço planos de que horas vou acordar no outro dia pra poder almoçar com uma amiga. Isso me deixa feliz, em êxtase. Hedonista, eu? Sim. Qualquer pedaço de diversão, por mais idiota que seja, já serve pra esconder o meu vazio dos olhos externos.
Escrevo, escrevo e não chego a uma conclusão que agrade, né? Pois já me agradou. Já o que devo fazer amanhã. Vou me levantar, ir pra faculdade, trabalhar, voltar pra casa e, se acontecer alguma coisa, talvez eu vá pra cara de um amigo, talvez eu vá pra alguma boite, talvez eu fique em casa, talvez eu me suicide. Vai saber. Vai saber... Não vai saber.
Aliás, não vem não. Fica aí mesmo, parado. Deixa a vida passar e você não alcançar seus planos. Fique sem tentar. Seja cheio de ideias e vazio de conquistas.
Sou vazio, sim. Às vezes com muito orgulho. Outras vezes, com descaso.
E a culpa é toda minha. Santa incompetência.