domingo, 17 de junho de 2012

Julgamento

"Quando eu era mais jovem acreditava que a paixão deve diminuir com a idade, como uma xícara deixada numa sala gradualmente deixará seu conteúdo evaporar-se no ar. Mas quando o Presidente e eu voltamos a meu apartamento bebemos um ao outro com tanto desejo e necessidade que depois eu me senti esvaziada de todas as coisas que ele tirara de mim e repleta de todas as coisas que eu tomara dele. Caí num sono profundo e sonhei que estava num banquete em Gion, falando com um homem idoso que me explicava que sua esposa, de quem ele gostava muito, não estava realmente morta, porque o prazer do tempo que tinham passado juntos vivia nele. Enquanto ele dizia essas palavras bebia uma tigela da mais extraordinária sopa que jamais tomara. Cada golinho era uma espécie de êxtase. Comecei a sentir que todas as pessoas que jamais conheci, que tinham morrido ou já não estavam comigo, realmente não haviam partido mas continuavam a viver dentro de mim como a esposa daquele homem vivia nele. (...) A sopa era feita de tudo o que jamais me importara na vida; e enquanto eu a sorvia, aquele homem dizia suas palavras dentro do meu coração. Despertei com lágrimas correndo pelas têmporas, e peguei a mão do Presidente com medo de não poder mais viver sem ele quando ele morresse ou me deixasse. (...) Mas quando ele morreu, alguns meses depois, compreendi que no fim de sua longa vida me deixara tão naturalmente como as folhas caem das árvores.

Não posso lhe dizer o que nos guia nesta vida. (...) Tudo era como uma torrente que cai sobre penhascos rochosos antes de chegar ao oceano. Mesmo agora que ele se foi, eu ainda o tenho, na riqueza de minhas memórias. E contando-as a você, eu tenho novamente a minha vida.

(...) Mas agora sei que nosso mundo não é mais permanente do que uma onda subindo no oceano. Quaisquer que sejam as nossas lutas e triunfos, qualquer que seja o modo como os experimentamos, em breve todos fundem-se numa coisa só, como a tinta aguada de uma aquarela num papel."

Trecho do livro Memórias de uma gueixa de Arthur Golden, tradução de Lya Luft.

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Recomendo a leitura desse livro. Emocionou-me bastante.

Estou numa fase de leitura e mais leitura. Animes e mais animes. Essa greve me deu muito tempo pra ler e pensar. Á medida que vou lendo, absorvendo cada linha, minhas conclusões vão divergindo, quando na verdade deveriam, como há um tempo pensava, convergir pra um estado de sabedoria "final" por assim dizer. Quanto mais leio, menos sei. Quanto mais leio, menos julgo. Quanto mais eu leio, menos certeza de mim mesmo eu tenho.

Não consigo mais ter uma opinião formada sobre muita coisa. Gostaria que fosse sobre tudo. Cada dia que passa eu moldo-me, mudo meus pensamentos, transmuto, reflito sobre minhas atitudes e suas consequências para as pessoas que participam da minha vida, mesmo que por breves segundos. Isso não quer dizer que acerto nas escolhas. Isso leva tempo. E como! Quando saio com meus amigos eu falo o que me vem à cabeça quase automaticamente, quando se trata de opiniões e assuntos puramente pessoais e sem consequências que atinjam outros que não a mim mesmo. Porém, tenho pensado (até demais) antes de dizer cada palavra. "Você é muito 'na sua', às vezes. De uma pessoa expansiva, transforma-se em alguém quieto e pensativo quase que automaticamente. Depois volta ao normal. Isso me assusta." Essa declaração foi dita a mim e é verdadeira. De praxe, refleti bastante.

Tem muita gente entrando e saindo da minha vida. Algumas saem tão rápido como entraram (a maioria por escolha minha). Parece que estou "descartando" quem não me interessa, mas não é a verdade. Quando um laço é feito, ele jamais é desfeito. Entretanto, à medida que o tempo passa, o laço vai ficando mais e mais forte, até chegar ao ponto onde você deve se unir permanentemente a esse laço. Caso contrário, você não conseguirá desfazê-lo normalmente e terá de usar métodos que provavelmente danificarão tal laço. Imagine um laço real, daquele que você faz na sacola que leva frutas para a escola. Se você o deixa frouxo, mesmo que dando um laço duplo, facilmente conseguirá desfazê-lo, ainda que a sacolinha fique enrugada. Você poderá utilizar essa sacola outras vezes, talvez para o mesmo propósito, talvez não. Isso depende de você e do estado em que ela ficou depois de ser usada. Porém, quando se quer ter a segurança de que as frutas não vão sair acidentalmente, é necessário que o laço seja forte. Dessa maneira, você tem a certeza de manter tudo o que levou dentro da sacola, mas, caso queira retirar seu conteúdo, terá que utilizar uma faca, pois não conseguirá desfazer os nós pelos métodos normais. E o estado da sacola? Praticamente inutilizável.

Essa analogia foi idiota, mas creio que explicou bem o ponto em que eu quero chegar: quanto antes o laço for abrandado (pois não pode ser desfeito), menos consequências ele trará para ambos os lados. Isso não é "descartar" alguém. Isso significa que eu quero evitar qualquer tipo de rixa futura (o que é quase impossível, pelo que tenho percebido ultimamente), não fortalecendo meus laços com pessoas que não me interessam. Soa mesquinho e tem um tom de descaso, mas é a melhor opção. Eu não tenho culpa de não ter me encantado por alguém a ponto de ter um relacionamento amaroso ou uma amizade. Aquele feeling vem ao acaso, não é uma escolha. Você não escolhe de quem gosta e muito menos de quem vai ser amigo, pelo menos teoricamente. Então, não é justo culpar a mim por não gostar de você (nem é justo que eu culpe você por não gostar de mim). Se não funcionou, ou funcionou mal, o mais fácil e menos doloroso é abandonar o barco, sem ressentimentos, entender as obras do acaso e seguir o fluxo contínuo. Você tem todo o direito de se lamentar por Fulano não ter gostado de você, pelo seu namoro com Ciclano ter acabo ou por Beltrano não ser um amigo tão fiel quanto você esperava; mas você tem a obrigação de não cobrar de Fulano, Ciclano ou Beltrano qualquer tipo de comportamento. Nem você se comporta como gostaria de se comportar!

"Ah, mas assim você pode estar jogando uma oportunidade de construir um amor verdadeiro, vencendo barreiras blá blá blá blá ~vomitei~." Não, não estou jogando a oportunidade fora. Não estou dizendo que deixar o "laço abrandado" seja algo a se fazer como atitude eterna. Posso falar "não" e me arrepender três dias depois. E não, isso não é falsidade, isso é reflexão. "Você disse que jamais se envolveria com Fulano. Agora está aí, com o seu nome na lista." Jamais é uma palavra que jamais deveria existir. Assim como seu sinônimo mais próximo, o nunca. Nunca e jamais só são aplicadas em frases do tipo "Nunca direi nunca." ou "Jamais direi jamais." e, mesmo assim, com certeza, elas serão ditas. São figuras de linguagem. Eu (e qualquer outra pessoa) tenho o direito de repensar qualquer atitude que eu tome e, inclusive, voltar atrás caso seja necessário. Isso não é falsidade. Falsidade é outra coisa.

Como disse  Arthur Golden, "(...) nosso mundo não é mais permanente do que uma onda subindo no oceano." Enxergue as escolhas das pessoas que passam pela sua vida sem usar olhos de "maldade". Muitas vezes as escolhas são somente um método de autoproteção; outras vezes, creio que a minoria, podem ser escolhas maldosas só para te ferir; mas na maioria das vezes, são somente o retrato do caminho escolhido, sem qualquer tipo de segundas ou terceiras intenções, somente a primeira: a felicidade. 

Não julgue e não tenha uma opinião formada. Tudo muda, tudo evolui, tudo involui, tudo se mescla no final, como se tudo fosse feito do mesmo material, "(...) como a tinta aguada de uma aquarela num papel."