Todo mundo espera algo de alguém. Eu, por exemplo, espero que você, anônimo, leia este texto, mas não espero que goste. Aqui eu também sou anônimo, não tenho os laços à mostra para serem formados. Ou seja, não tenho nenhuma expectativa que você aprecie, apenas leia. Assim, eu provo minha existência e comprovo minha ineficiência.
Viver esperando migalhas é um nível muito avançado da falta de amor próprio. Você passa a dar seu máximo em troca de algum sinalzinho de amor, alguma gratidão, um sorriso, uma ligação, um SMS, qualquer tipo de reação que leve o outro a lhe procurar. É um máximo, o topo da cadeia amorosa. Aquelas ações dignas de "fazer das tripas coração". Mas, quase sempre, você se vê frustrado. O máximo que você recebe é um "ownnnn" ou um "que lindo!", como se você não soubesse que o mínimo é ser fofo e lindo, pelo menos sentimentalmente. Alguns chamam esse ato heroico, de se doar sem limites, de gentileza, outros chamam de amor, alguns chamam de burrice. Acho que é uma mescla, mas ultimamente tenho acreditado que o lado da burrice é o mais "esperto", pois se esconde, falseia-se em amor. Eu, por exemplo, sou burro.
Há um ponto ótimo da burrice: aquele em que você se sente feliz com um "bom dia!". Se estiver nesse nível, caro leitor, parabéns, você provavelmente conseguirá sentir na alma as minhas palavras. Viver de restos, como aquele cão de rua à espera de carne sem utilidade na porta de um açougue de esquina (grifo no termo esquina, simbolizando, sim, que esse teu amado não é lá essas coisas) e, claro, ficando feliz com qualquer lixo que venha a ser jogado. Vamos falar de lixo. Qual lixo você leu hoje? Ou escutou, ou ganhou? Eu, por exemplo, ganhei uma letra de música batida e sem sentimento, um grande presente a se dar no dia dos namorados.
Mas o mais legal, voltando à história do cão, é que o mesmo, bobinho como sempre, viciado nos lixos que tanto acalentam seu espírito carente e necessitado de atenção, passa a montar guarda na porta do açougue. Cuida bem da entrada, das pessoas que ali vão e, principalmente, do açougueiro. Ah! O açougueiro! Como ele é perfeito! Ele tem tanto jeito com as carnes, um prodígio! Então o cão, apaixonado pelo seu açougueiro, dá o seu melhor: seu tempo, sua atenção, seu amor. É claro que o ser humano não vai fazer algo muito distante disso. Eu, por exemplo, costumo tomar repetências na faculdade.
Passado o ponto ótimo, temos a fase do "cair na real". O cão olha para o lado, vê a vendedora de pipoca com bacon. Não é uma carne, mas tem bacon, parece delicioso. Mas, melhor não, trocar sua carne, tão suculenta, diga-se de passagem, com a ironia ligada, já avisando aos Sheldon's de plantão, por uma coisa nova e exótica, ah... melhor não. Do outro lado da esquina, o padeiro, seus pães com peperoni (e que peperoni, tamanho gigante!), mas que parecem tão inalcançáveis... Novamente, melhor não. Olhando para o outro lado, o cão encontra uma criança feliz e saltitante, oferecendo biscoitos aos cães e gatos. Parece que todos os animais o amam, pois é muito gentil, mas, ao mesmo tempo, nenhum animal fica ali por ele, montando guarda. Que estranho... Tem tantos animais, mas, ao mesmo tempo, não tem nenhum. Deve ser uma péssima troca, melhor não. Mas... essas carnes... são tão diferentes das carnes que aquele pessoal está conseguindo do meu açougueiro. O que houve? Desde quando as carnes deles tem que ser melhor que a minha? Não deveria ser o contrário? Afinal de contas, EU sou o cão dele, não aqueles humanos! Eles estão pagando... mas eu pago com meu amor, meu tempo, como pode algo valer mais que isso? O cão, então, começa a repensar aquela situação. Seria mesmo uma boa situação? Ver tanta gente bem tratada e ele, o que deveria ser bem tratado, recebendo restos de seu açougueiro tão amado? Eu, por exemplo, odeio a igreja.
O açougueiro, acostumado com seu cãozinho todos os dias em sua porta, nota que ele não apareceu. O que poderia ter acontecido? Eu até gosto daquele cão, pensa. Procura ele, oferece um pedaço de carne decente, esperando que ele volte, esperando que a confiança se restabeleça e, sim, funciona! O cão volta todo saltitante e sorridente! Pronto, está feito, posso voltar a entregar os restos novamente. Pobre cão, iludido, com o coração duplamente partido, vê que tudo não passou de um mal entendido. Uma tentativa idiota e sem sentido de mantê-lo prisioneiro por tão pouco. Eu, por exemplo, fico triste quando falam "eu te amo".
Os próximos capítulos da história do pequeno cãozinho e do açougueiro ainda serão escritas. Não consigo visualizá-los (ou tenho medo de visualizá-los). Eu, por exemplo, espero que o cão seja adotado e levado para casa, tenha um banho decente, uma casinha dentro de casa, carnes, não todo dia, mas algumas poucas de boa qualidade, e bastante carinho do dono. Será que exagerei?