Alguns diriam que eu estou fazendo a coisa certa. Outros diriam que abandonei as minhas próprias conjecturas. Ainda há aqueles que diriam que eu me humilhei sem necessidade, novamente. Eu digo que dei mais uma chance de viver sem rancor à essa existência e estou tentando ser feliz.
É muito complicado lutar contra rancor. Ele tem armas superavançadas! Faça um teste: compare sua reação quando você é submetido a uma falta de polidez de um amigo com a reação quando o mesmo acontece com aquela pessoa insuportável. A falta de polidez pode ser a mesma, porém sua reação será totalmente diferente. Seu amigo receberá um "Gordo maldito! (risos)" e o odiado se contentará com um silêncio mortal exterior, mas que pode ser traduzido pelo seguinte pensamento: "Filho da puta! Como você continua fazendo esse tipo de coisa comigo?! Depois quer ser perdoado. Não tem jeito mesmo. Desgraçado. Ainda vou conseguir me livrar de você!" Parece injusto, né? Mas é a balança do julgamento que simplesmente despencou com o peso do rancor.
Decidi tirar o peso, pagar pra ver (de novo (depois de várias (e várias (e várias)) vezes)). É assim que tem que ser. Ciclos. Felicidade, briga, rancor, julgamento, ódio, depressão, desilusão, pensamento, consideração, outra chance, fechando o ciclo. Estou no momento felicidade, aguardando a briga pra tentar pular direto pra consideração. Cansei de rancor, julgamento, ódio, depressão, desilusão e, principalmente, de pensar. Penso, penso, penso. Sou formado em psicologia no meu próprio cérebro. Parei.
A coisa fica mais fácil quando você se coloca no lugar das pessoas. Você faria diferente? Pior? Melhor? Eu, geralmente, faria muito pior. Acho que é por isso que acabo perdoando e tentando outra vez. O ódio e o amor são coisas engraçadas, né? Muito mais efetivas que drogas ou chefes. Ultimamente estou me colocando no lugar até das formigas que mato e acabo ficando com pena. Das aranhas não. Aranhas devem morrer independentemente de qualquer que seja a situação. Se eu fosse uma aranha, já teria me atirado no primeiro pé humano pra morrer esmagada. Minha existência seria desprezada. Espera... Aposto que já pensei assim de alguém... Porra de rancor. Pior que venda. Pior que protetor auricular. É o poder do megafone inconsequente.
Esse é o motivo de eu ser calado. Penso, penso, penso, penso o tempo todo. Pareço uma máquina que não consegue ficar parada, movida pela curiosidade sentimental. Elaboro todos os tipos de situação, coloco o alvo em cada uma delas, analiso a possível resposta aos estímulos do ambiente, estudando a cobaia. Coloco-me na mesma situação. Comparo os resultados. Julgo. Recomeço com outra situação. Construo um modelo do indivíduo. Determino as melhores formas de lidar, amar, odiar, ignorar, tudo dependendo da minha própria intenção. É importante analisar não só os amigos para que tudo corra bem, mas também os inimigos para autoproteção.
Mas... e quando o alvo é alguém da família? Familiares fazem parte de um setor que pode se enquadrar em "amigos", "inimigos" e em um outro, que vou chamar de "mas é da família, né?" Familiar é familiar. Se for amigo, ótimo. Se for inimigo, pera lá, não vamos piorar a situação. Se for "mas é da família, né?", provavelmente tem algo errado aí. O rancor se apresenta com mais força contra os dois último tipos citados.
Imagine um familiar inimigo: um filho da puta que você mandaria matar, se não fosse da família, claro. Geralmente fazer a política da boa vizinhança já resolve a situação e você fica livre de frustrações maiores. Porém, e se o inimigo for da família de primeiro grau? Digamos... Seu pai? Ok, complicou. Não dá pra ser inimigo de pai pra sempre. Ou dá, vai saber. Depende da escolha.
Escolhi não ser. Inimigo, claro. Então, o rancor pelo inimigo, o mais forte, o mais pesado, foi o que eu tive que lidar pra tentar transformar o "inimigo" em "mas é da família, né?" Quem sabe, talvez, em um futuro não muito distante (mas também não tão próximo, né, porque não sou de ferro), eu não consiga um "amigo"?
É duro galera. Requer sangue de barata. Aliás, de aranha. Aquele sangue que parece sem sentimento, mas é sangue de quem consegue se dar uma chance de refazer as coisas, de acreditar na mudança das pessoas, de aceitar que cada pessoa que não te conhece devidamente bem pise e te esmague e você continuar tentando ser amigo, ser legal, esquecer, se humilhar.
Parei de matar aranhas. Acho que são primas. E primo é da família. Não posso matar gente da família (apesar da vontade). Família é família, né?