quinta-feira, 8 de março de 2012

Dejà vu

Sempre fui uma pessoa estressada, desde criança. Gritava, fazia birra, só conseguia dormir com um número exato de "ninadas", tudo regado a muito leite, claro. Mas a vida foi aparecendo, os olhos se abrindo, o cérebro mudando e o caráter se formando. Se tem uma coisa que eu prezo é bom caráter e, sim, orgulho-me em dizer que sou uma pessoa "de caráter".

À medida que os anos se passavam, problemas familiares foram surgindo e, com eles, as desavenças. No meu fantástico mundo de Bob, meu pai sempre foi um herói. Parece cliché, né? Mas não. Pai policial, aquele símbolo de respeito e, além de tudo, uma cara nota 10. Isso era justamente o que eu pensava até meus 6 anos.

6 anos. Idade meio estranha pra começar a entender o desenrolar complexo da convivência familiar. Foi nessa idade que fui "traído". Tudo o que eu acreditava, quer dizer, toda a imagem de perfeição que eu tinha do meu pai desabou no dia em que vi minha mãe chorando, de verdade, soluçando, por causa dele. E, por coincidência, foi o mesmo dia em que tive minha primeira surra memorável. Como foi difícil perdoar... ah, como foi. Mas, como minha mãe mesmo disse: "Ele é seu pai." Relevei.

14 anos. Sonhos. Ensino Médio. Amigos indo pra capital pra estudar, cursinho, meu sonhado CEFET. A frase que resume essa época da minha vida: "Você é fodido como eu! Você não será algo na vida! Vê se se enxerga seu muleque!" Minha mãe, com medo de não conseguir me manter em Belo Horizonte, como eu já havia falado que sonhava, vetou meu desejo, relutante, com medo de que meu pai ajudasse com nada. Perdi a primeira grande oportunidade da minha vida. "Ele é seu pai." Relevei.

15 anos. Primeiro namoro. Ninguém esquece, né? Ainda mais quando dura 6 anos. Foi uma época legal, linda, conturbada, rancorosa, leal, intensa, de amizade, respeito e divisão de sonhos. "Bem estranha essa sua namorada, hein? Que isso meu filho, larga isso e vai caçar coisa melhor!" Escutar isso, pra mim, bem em meio à adolescência, foi quase uma declaração de guerra. Mas, como mamãe sempre disse: "Ele é seu pai." Relevei. Enquanto namorei, fiquei dois períodos de aproximadamente 1 ano e meio sem me comunicar com papai. Por escolha, claro. Barbaridade era pré-requisito pra qualquer início de conversa com ele. Resolvi extirpar esse mal, ainda ingênuo e sem entender o que mamãe sempre dizia. Chegou a proibir, várias vezes, minha própria namorada de entrar em casa. Digno, não?

17 anos. Puta que pariu, vestibular. Foi o ano mais cansativo antes de entrar na faculdade. Estudos pela manhã, trabalho pela tarde, estudos autônomos durante a noite. Trabalhei, única e exclusicamente, para pagar o cursinho pré-vestibular para a segunda etapa da UFMG. Consegui juntar o dinheiro, inclusive o necessário pra me manter em Belo Horizonte pelo tempo do cursinho. Passei na primeira etapa com uma nota ótima. Mamãe me ajudou bastante. "Essa história de ir pra Belo Horizonte de novo? Já é um vagabundo, inventa de colocar piercing na sombracelha e agora ainda quer ser um 'dos riquinhos?' Você não vai." Respondi: "Vou.", mentalmente. Olha, o "vagabundo" penetrou na alma, viu? Nota lindona no ENEM. Consegui bolsa integral pro curso que sempre sonhei: tecnólogo em Jogos Digitais na PUC.  Mamãe: "Seu pai já é contra você ir por Engenharia, imagina por isso? Você não vai." Respondi: "Vou.", mentalmente. Fiz vestibular do CEFET. Não passei. Fiz a segunda etapa da UFMG. Passei nas chamadas do segundo semestre, as quais, sem informação, bem roceiro mesmo, fui descobrir semana retrasada, no oitavo período da faculdade de Engenharia Elétrica no CEFET. Sim! Fui chamado! Alegria suprema! "Parabéns. Tenho orgulho de você.", disse meu pai. Porém, nenhuma ajuda financeira da parte dele foi oferecida. Me virei. Consegui. Relevei.

Passam os anos, a ajuda nunca veio. Pelo contrário: foram tantos problemas criados, problemas totalmente sem fundamentos, mas que me fizeram enxergar cada vez mais e mais o que se passava.

20 anos. Um de meus irmãos veio morar comigo. Sempre, em toda família, há o queridinho da mamãe e o queridinho do papai. Eu sou da mamãe. Ele é do papai. A ajuda finalmente chegou. Não por mérito meu, já que, como pode ser facilmente compreendido, nenhum mérito meu vale mais do que uma obrigação doméstica e quotidiana. Brigas. Brigas. Brigas. Brigas. A conversa volta a fluir e, num passe de mágica, se vai novamente. Relevei.

21 anos. França! Nenhum parabéns, nenhuma despedida, nenhuma ajuda. Sou, realmente, definitivamente, um ninguém. E eis que na própria França descubro algo que me faz feliz até hoje! Penso em contar. Penso em não contar. Mamãe pressiona. Ah, contei. Por que raios eu fiz isso? A conversa volta a fluir de maneira bem hipócrita. Uma pequena conversa no Facebook foi o suficiente pra ler um "Jamais vou aceitar. Eu tinha planos pra você. Você deve poupar sua família disso." Planos, ele tinha. Realmente, eu acabo com tudo, né? E, o mais interessante, fazendo tudo certo. "Ele é seu pai." "Não suporto mais." "Ele é seu pai e precisamos dele." Relevo. Conversa se esvai.

2 meses atrás. Outro irmão vem morar comigo. Ele está fazendo cursinho pré-vestibular. Sabe o que é ver toda a história se repetindo, aos trancos, no mesmo sentido? Meu irmão está sendo obrigado a "relevar", assim como eu fui. Porém, por esse irmão, tenho um carinho infinito e, sinto muito, fazer ele infeliz, não relevo.

Tomara que esse dejà vu seja só uma visão distorcida dos fatos, de minha parte. Juro que tento relevar. Mas é muito. Decidi me fechar, viver minha vida, buscar as coisas que acredito. Sou bastante forte, até. Mas, infelizmente, não vejo isso em meu irmão. Ele ainda "liga" pra tudo isso. Está tentando acertar tudo, mas vai ver que nunca vai funcionar.

Relevei muita coisa, mas errar duas vezes é desumano. Some daqui dejà vu!

[Texto escrito sem revisão em um momento de fúria. Bosta jogada ao ventilador define.]